Universidade de São Paulo
Centro de Divulgação Científica e Cultural - Campus São Carlos
Setor de Astronomia
(OBSERVATÓRIO – Centro de Divulgação da Astronomia)
Série
Século XX – Astronomia e Astronáutica
Os Grandes Desafios para o Século XXI

O século XX foi marcado por grandes descobertas científicas e invenções tecnológicas revolucionárias. Pela primeira vez na história da humanidade foi possível abandonar a superfície da Terra e viajar ao espaço. No começo com modestos satélites que apenas emitiam um fraco sinal de rádio, sendo depois seguidos por sondas mais avançadas que nos mostraram como eram os outros mundos do Sistema Solar. Finalmente, no que talvez possa ser considerado como o evento do século, o ser humano deixou sua marca pisando pela primeira vez em outro mundo – nosso satélite a Lua.

Agora se inicia um novo século. Que novos desafios sinalizam no horizonte para estes próximos 100 anos? Podemos definir pelo menos quatro grandes objetivos para o século XXI, a saber:

  1. Procura de Vida no Sistema Solar;
  2. Enviar seres humanos para outros mundos;
  3. Descobrir mais sobre as origens do Universo;
  4. Fazer contato com seres alienígenas.
No entanto prever o que vai acontecer e quanto é muito difícil. Nesse sentido, as datas aqui apresentadas devem ser encaradas como estimativas prováveis o que em muitos casos podem ser alteradas por motivos sociais, técnicos ou econômicos. Uma boa sugestão é a divisão do século em quartos. Assim dentro de períodos de 25 anos serão feitas estimativas de eventos e datas.

1º Quarto de Século (2001 – 2025)

ISS – Estação Espacial Internacional

Nos próximos 25 anos, sem dúvida o primeiro grande evento será o término da construção da Estação Espacial Internacional (ISS – International Space Station) com data prevista para conclusão em 2006. A ISS começou a ser construída já no final do século XX (em 1998) e quando estiver terminada será o maior objeto já construído em órbita da Terra. Com dimensões em torno de 110 m de comprimento por 87 de largura, a ISS é um projeto conjunto entre 16 países, incluindo o Brasil. Ela está orbitando a Terra a uma altitude média de 400 km e completa uma volta ao redor de nosso planeta em 1 hora e 30 minutos, viajando a uma velocidade de cerca de 28.000 quilômetros por hora!

Com um custo estimado em torno de 60 bilhões de dólares americanos a Estação Espacial Internacional ainda é um projeto bastante controverso entre os membros da comunidade científica, sendo elogiado por muitos e criticada por alguns como sendo um passo muito caro e não necessário no momento. No entanto a estação é sem dúvida uma base única para a realização de pesquisas científicas de seriam impossíveis de serem feitas na Terra. Vários experimentos de baixa gravidade permitirão a criação de novos medicamentos e vacinas, novas ligas metálicas e produtos com pureza única. Pesquisas climáticas e previsões meteorológicas mais precisas serão outras facilidades que a estação irá oferecer. Além disso, não se pode negar que a ISS é de fato um trampolim para as futuras viagens humanas a outros mundos. No futuro ela será o primeiro estaleiro espacial onde naves que nos levarão a Lua ou Marte serão construídas.

Projeto Origens

Nas primeiras décadas do Século XXI a NASA (Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço – National Aeronautic and Space Administration), deverá prosseguir com um grande projeto de pesquisa científica chamado Projeto Origens. Esse ambicioso projeto possui duas frentes de trabalho, uma com observatórios situados na Terra e outra com sondas e telescópios que serão lançados ao espaço. O objetivo principal: descobrir mais sobre as origens do Universo, a formação de estrelas, galáxias, planetas e até mesmo desvendar alguns dos mistérios da origem da vida.

Algumas missões espaciais já lançadas são consideradas predecessoras do projeto. Entre elas está o telescópio espacial Hubble. Com o sucesso do Hubble a NASA agora planeta o lançamento de vários outros telescópios mais potentes para explorar a fundo o Universo. A primeira missão do Projeto Origens, se o cronograma de atividades da NASA prosseguir sem maiores interrupções financeiras, será a sonda ST3 – Space Tecnology 3 (Tecnologia Espacial 3). NA verdade o ST3 compõe-se de dois telescópios espaciais em órbita, alinhados e separados por mais de um quilômetro. O objetivo é testar pela primeira vez a observação com telescópios em formação e que se comportem como um grande telescópio através do processo de interferometria onde é possível combinar a luz de vários telescópios e compor uma imagem tal como se existisse um único grande espelho telescópico em órbita. Seu lançamento está previsto para 2005 e seu tempo de vida será de apenas 12 meses.

Também em 2005 pretende-se lançar o satélite SIM – Space Interferometry Mission (Missão de Interferometria Espacial). Este satélite irá realizar a medição precisa da posição e deslocamento de centenas de estrelas através de processos de interferometria no espaço, onde não existe a influência da atmosfera da Terra, permitindo assim medições muito mais apuradas. Ele também irá vasculhar as estrelas que possuem planetas para a averiguação da existência de tais mundos novos e mesmo a busca por novos planetas ainda desconhecidos. Seu tempo de vida é estimado em 5 anos.

Cada missão do projeto Origens irá testar novas tecnologias e no caso de sucesso irá abrir a porta para novas missões ainda mais avançadas. Esse é o caso da missão NGST – New Generation Space Telescope (Nova Geração de Telescópios Espaciais). O NGST será o real sucessor do Telescópio Hubble. Será equipado com um espelho múltiplo com mais de 8m de diâmetro e espera-se com isso imagens pelo menos 10 vezes mais detalhadas que seu antecessor. Com data de lançamento prevista para 2007, o NGST ficará bem longe da órbita da Terra e seu tempo de vida é estimado entre 5 a 10 anos.

Caso todas essas missões anteriores venham a ser bem sucedidas, a NASA lançará o TPF - Terrestrial Planet Finder (Localizador de Planetas Terrestres). O objetivo é procurar por planetas semelhantes à Terra em outros sistemas planetários. Composto por 5 grandes telescópios em formação e além da órbita de Júpiter, o TPF irá procurar por sinais de substâncias como água, gás carbônico e ozônio, no espectro de outros planetas e assim tentar identificar aqueles que possam ter condições de sustentar vida.

E finalmente caso tais mundos sejam encontrados, o projeto Origens prevê a criação das missões LF – Life Finder (Localizador de Vida) e PI – Planet Imager (Imageador de Planetas). Este último tem a incrível missão de tentar fotografar planetas ao redor de outras estrelas. Com um conjunto de vários telescópios alinhados será tentado pela primeira vez criar uma pequena imagem (máximo de 25 x 25 pixels) de um planeta semelhante à Terra em outro sistema planetário.

Ainda nos próximos 25 anos, o JPL (Laboratório de Jato Propulsão) pretende lançar uma sonda chamada Europa Orbiter em direção a lua Europa do planeta Júpiter. Seu objetivo é averiguar se realmente Europa possui um oceano de água líquida abaixo de sua crosta de gelo. Se confirmado, novas missões de sondas não tripuladas deverão ser enviadas e desta vez equipadas com sonda de pouso e mini sondas que possam perfuram o gelo e penetrar nesse novo oceano em busca de novas formas de vida.

O lançamento da Europa Orbiter está previsto para novembro de 2003.

E finalmente no ano 2004, a sonda Cassini, lançada em 1997 chegará ao seu objetivo – a maior lua de Saturno, Titã. Uma vez lá, a Cassini lançara uma pequena sonda chamada Huyghens que irá pousar em Titã. Com isso espera-se descobrir mais sobre a misteriosa superfície de Titã que provavelmente está recoberta com substâncias orgânicas, óleos semelhantes a petróleo e metano.

2º Quarto de Século (2026 – 2050)

No segundo quarto do século, após a exploração mais detalhada de mundos do Sistema Solar por sondas não tripuladas, muito provavelmente a humanidade irá por em prática as missões tripuladas para outros mundos. Mais cedo ou mais tarde teremos que ir a outros mundos. Duas possibilidades existem: Marte e Lua. Alguns acreditam que a Lua seria o próximo passo, porém Marte possui muito mais atrativos do que nosso satélite natural. Sendo portanto difícil a determinação de qual mundo será explorado primeiro, sugere-se que ambas as missões deverão tomar lugar entre os anos 2026 e 2050.
 
 

Base Lunar

Uma base na Lua poderá vir a ser um local estratégico no futuro para o lançamento de naves a outros mundos. Porém a permanência do ser humano na superfície da Lua depende de confirmarmos a presença ou não de água em uma de suas crateras. Com a presença de água, não seria necessário o seu transporte da Terra, tornando mais barato a construção de uma base. Oxigênio e combustível para foguetes poderão ser extraídos diretamente das rochas lunares e os módulos da estação deverão ser cobertos com o solo lunar para protege-los da violenta radiação solar que incide na superfície.

Devido a baixa gravidade lunar enormes telescópios e radiotelescópios poderão ser construídos, principalmente no lado escuro da Lua, onde não ocorrem interferências eletromagnéticas nos sinais de rádio, proveniente da Terra, o que permitirá uma observação mais precisa no Universo na janela de Rádio do espectro eletromagnético.

Missão para Marte

Sem dúvida um dos desafios que mais chama a atenção da humanidade é a possibilidade de enviar seres humanos para Marte. Este misterioso planeta é o mundo mais semelhante a nossa Terra em todo o Sistema Solar. Porém uma missão tripulada terá primeiro que enfrentar o grande tempo de viagem. Mesmo que uma nave esteja equipada com os mais modernos tipos de propulsão, uma viagem de ida levaria no mínimo 6 meses e uma permanência tão prolongada no espaço causa consideráveis danos ao organismo humano.

Espera-se que por volta do ano 2030, sejamos capazes de construir a nave que nos levará a Marte. Não existe ainda um design definitivo para a mesma e a própria NASA mantém uma espécie de concurso de criação para esse fim. Muito provavelmente a nave será equipada com motores movidos a fusão nuclear. Ainda não temos reatores de fusão nuclear, mas eles são esperados para as primeiras décadas do século XXI. De fato um reator experimental já conseguiu manter o processo de fusão por alguns segundos. Ë apenas uma questão de tempo até que essa tecnologia se torne disponível. Será interessante também equipar a nave com setores habitacionals rotativos para simular gravidade o que ajudaria na manutenção de nossos corpos. Ainda resta o problema da longa exposição a radiação do espaço e questões como a saúde mental dos tripulantes numa missão tão longa.

Base Marciana

A primeira missão tripulada para Marte, provavelmente apenas irá fazer um reconhecimento superficial do planeta e deixar lá equipamentos e suprimentos para as próximas missões. Somente com novos grupos de astronautas será possível a construção de uma base definitiva em Marte. Tal como na Lua, se for confirmada a existência de água no subsolo de Marte as coisas ficam mais fáceis. Uma série de veículos de exploração semelhantes talvez ao jipe lunar, irão carregar os astronautas em longas viagens através da paisagem marciana em busca de respostas para questões como: será que um dia houve vida em Marte?

3º Quarto de Século (2051-2075)

A partir de Marte, seremos capazes de construir naves ainda maiores que possam nos levar a mundos mais distantes. No romance de Artur C. Clark "2001 – Uma Odisséia no Espaço", a nave Discovery chega ao planeta Júpiter. Na vida real, essa missão talvez só venha a acontecer por volta do ano 2071.

Com um tempo de viagem de aproximadamente 1 ano e alguns meses, uma missão tripulada para Júpiter e suas luas pode vir a ser um objetivo sério no terceiro quarto do século XXI. Uma grande série de pesquisas pode vir a serem realizadas nas luas desse planeta gigante gasoso. Será possível explorar os vales de gelo de Europa ou os grandes vulcões da lua Io.

4º Quarto de Século (2076-2100)

Mesmo assim, talvez o século XXI acabe e ainda não tenhamos explorado todos os planetas do Sistema Solar. Ainda temos Saturno, Urano, Netuno e Plutão para explorar. E quanto mais distante se está de nossa época atual, mais difícil fica fazer previsões sobre o futuro. Tudo o que se pode fazer são extrapolações. Para viajarmos aos mundos mais distantes do Sistema Solar, será preciso construir naves muito maiores e com sistemas revolucionários de propulsão. Chegará o tempo em que foguetes de propulsão química ficarão obsoletos. Novas tecnologias como a Fusão Nuclear, outros combustíveis nucleares e até mesmo o uso de Antimatéria terão que ser desenvolvidos para que se possa criar uma nave que possa viajar até pelo menos 10% da velocidade da Luz. Alguns poucos projetos de naves fantásticas como essas já existem. A mais próxima de nossa tecnologia é o projeto Órion de uma grande nave movida à micro explosões nucleares. A Órion está muito próxima de ser uma realidade com o contínuo avanço da tecnologia. O que atrapalha o desenvolvimento desses projetos é o aspecto financeiro ao invés dos problemas tecnológicos. A Órion poderia ser construída num estaleiro em órbita de Marte e de lá seria lançada como nave de cruzeiro intersolar para os mundos gigantes do Sistema Solar exterior. No entanto isso é ainda um grande sonho.

Este talvez seja o panorama da futura exploração humana do espaço no século XXI. Talvez muitas das coisas escritas aqui venham a se tornar realidade, talvez umas poucas nunca aconteçam. Mas o que importa agora é que tudo que foi descrito teve sua origem num outro século. Quase toda a tecnologia que existe atualmente para as viagens espaciais foi criada neste século, embora muito ainda será desenvolvido. Mas as bases teóricas, as hipóteses científicas e as descobertas iniciais foram realizadas num século que hoje chamamos de o século das guerras. Um século onde se descobriu que era possível voar! O século onde lançamos nosso primeiro satélite artificial, onde viajamos mais rápido que o som, o século em que liberamos o poder do átomo, o século onde possivelmente encontramos algumas das respostas para a mais indagadora das questões sobre o destino final do Universo – o século XX. O que mais será possível no próximo século?

Esperamos que o que foi descrito aqui sejam as futuras viagens de exploração da espécie humana, na sua missão de pesquisar novos mundos e novas civilizações, audaciosamente indo aonde ninguém jamais esteve!

André Fonseca da Silva

São Carlos 02 de fevereiro de 2001

André Fonseca da Silva é monitor voluntário do CDCC no Setor de Astronomia. Formado em Agronomia pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP de Jaboticabal e com Mestrado em Computação Gráfica no Instituto de Ciências Matemáticas de São Carlos – USP.