v I

Nascimento, vida e morte das estrelas

Parte I - O NASCIMENTO DAS ESTRELAS
Apresentação:

Uma estrela, desde que se condensa a partir de uma nuvem de gás, está sob a ação de sua autogravitação. A gravidade comprime o gás para o centro da estrela, obrigando-a a produzir energia que gera a pressão suficiente para conter o colapso.
O núcleo da estrela, gigantesco reator de fusão nuclear, processa a matéria do meio interestelar sintetizando, a partir dela, elementos químicos mais pesados.
A gravidade atua inexoravelmente, comprimindo a estrela até levá-la a esgotar sua fonte de energia. As estrelas de pequena massa caminham para a morte resfriando-se lentamente, enquanto que as de grande massa explodem de forma violenta (brilhando 100 bilhões de vezes mais que o Sol), espalhando pelo meio interestelar os elementos químicos que foram processados no núcleo. A matéria interestelar assim "enriquecida" de elementos pesados será continuamente reprocessada em novos ciclos de formação, vida e morte de estrelas.
A maior proporção de elementos químicos pesados nas estrelas jovens em relação às estrelas velhas, é evidência de que muitos ciclos de reprocessamento ocorreram na nossa Galáxia desde sua formação.
A matéria - base da constituição dos organismos vivos (C, O, Fe, etc.) teria se originado no centro de estrelas e participado de eventos catastróficos envolvendo as maiores liberações de energia conhecidas no Universo. Podemos, pois, dizer que somos um dos produtos da evolução estelar.
Esta é, em linhas gerais, a história fascinante que queremos contar em três artigos que aparecerão nesta revista. No primeiro, abordaremos o nascimento, com as condições iniciais necessárias para a formação das estrelas e a cronologia dos processos físicos. Nos próximos números, descreveremos os rumos que a estrela recém formada pode tomar na sua vida (2° artigo) e os processos que ocorrem nos estágios avançados da evolução até sua morte (3° artigo).
Com isso, pretendemos colocar os leitores da revista a par das idéias correntes em Astrofísica sobre a evolução estelar, assunto chave para o estudo do Universo em pequena e grande escala. Algumas aplicações simples para serem utilizadas por professores do ensino médio (e mesmo superior) para dinamizar suas aulas de Física serão apresentadas em cada um dos artigos.
 
 

PARTE I - O NASCIMENTO

AS NUVENS INTERESTELARES

Numa noite sem luar, podemos ver, próximo ao pé do Cruzeiro do Sul, em meio a uma região bastante estrelada uma espécie de mancha escura chamada Saco de Carvão. trata-se de uma das muitas nuvens de gás e poeira que existem em nossa galáxia e que são denominadas nuvens interestelares (muitas outras podem ser vistas a olho nu como manchas escuras espalhadas na Via Láctea, por entre campos ricos em estrelas). estrelas recém formadas no interior da nuvem podem "iluminá-la" como no caso da nebulosa de Orion.
Muito mais rarefeitas que o melhor vácuo já obtido em laboratório, essas nuvens têm densidades típicas de 30 átomos/cm3 e temperaturas típicas de 75 K (-198° C). Entre as nuvens existe um meio interestelar mais quente e menos denso.
As flutuações na densidade que ocorrem freqüentemente no interior dessas nuvens, funcionam como centros que atraem gravitacionalmente a matéria circundante. Havendo densidade suficiente, esses centros, ou glóbulos, atraem cada vez mais matéria, reforçando o campo gravitacional, que por sua vez, obriga a matéria contida nos glóbulos a se concentrar sempre mais.
A energia cinética dos átomos em queda livre sobre o centro dos glóbulos é dissipada, aumentando a energia cinética média do gás. A pressão térmica resultante atua no sentido de impedir que o colapso continue. Por outro lado, metade da energia térmica é emitida em forma de ondas eletromagnéticas (principalmente na faixa espectral do infravermelho). Essa perda de energia provoca, portanto, a queda da pressão e facilita o trabalho da gravidade de contrair o glóbulo e aumentar ainda mais a temperatura central.
A essa altura, a massa do gás que se contrai e se auto-aquece é um embrião de uma nova estrela. Vamos, aqui, delinear a história da contração de um glóbulo de massa igual à do Sol (1 massa solar º 1 MS = 2 x 1033 g). Atingida a temperatura de 15000 K as colisões separam os elétrons dos prótons ionizando completamente o Hidrogênio. Nesta fase, um glóbulo com raio inicial de 3 vezes a distância atual do Sol a Plutão (que é de cerca de 6 bilhões de Km) contrai-se até ter um raio igual à distância da Terra ao Sol (150 milhões de Km). Uma proto-estrela já existe e, se sua massa for de 1 MS sua luminosidade será 10 mil vezes maior que a do Sol atual (4x1033 ergs). A energia irradiada é toda proveniente da contração gravitacional. Com uma idade de 10 milhões de anos a proto-estrela possui um núcleo a uma temperatura de 12 milhões de K e diâmetro igual ao do Sol.

Fig. 1.1 - Emissão de radiação na contração gravitacional


O FIM DA CONTRAÇÃO GRAVITACIONAL


A temperatura de 12 milhões de K a velocidade média dos prótons é tal que, numa colisão podem se aproximar a distâncias em que o campo de interação nuclear é tão intenso quanto o campo de repulsão elétrica (d = 10-13 cm).
Dois prótons que colidem com velocidade relativa maior que a velocidade média atravessam a barreira de repulsão coulombiana, caindo sob o domínio das forças nucleares que acelera um contra o outro provocando sua fusão em um núcleo atômico mais pesado. A massa do novo núcleo é 0,5% menor que a soma das massas das partículas utilizadas para formá-lo. a diferença de massa é totalmente transformada em energia segundo a fórmula de Einstein:

E = Δm c2 (I.1)

onde Δm é a diferença de massa e c a velocidade da luz. Essa energia é irradiada para foram do núcleo. Parte dela interage com o gás que envolve o núcleo, aquecendo-o e sendo re-irradiada em comprimentos de onda mais longos, inclusive na faixa visível do espectro eletromagnético (~ 3500 Å a ~ 8000 Å).

A temperatura do núcleo aumenta até atingir 15 milhões de K e a pressão do gás (2,7 bilhões de atmosferas) é então, suficiente para sustentar o pesos das camadas externas comprimidas para o centro pela gravidade. A massa de gás atinge um estado de equilíbrio que é mantido pela fusão constante do Hidrogênio. Nasce uma nova estrela!

Os cálculos indicam que um glóbulo com massa maior que 60 MS (MS = Massa Solar)não atinge o estágio de equilíbrio, colapsando e explodindo. O fato de, até hoje, não ter sido descoberta qualquer estrela com mais de 60 MS é um indício da consistência do modelo teórico apresentado.

O tempo que um glóbulo leva para percorrer os processos que descrevemos, depende de sua massa. Para 10 MS o tempo é de 10 mil anos; para 1 MS é de 30 milhões de anos e para 1/10 MS é de cerca de 100 milhões de anos. Glóbulos com menos de 5/100 MS não têm gravidade suficiente para iniciar a "queima" do Hidrogênio. Eles se resfriam lentamente, transformando-se em planetas. Júpiter, por exemplo, tem 1/1000 MS , não muito distante pois, do que seria requerido para brilhar como uma estrela.
 

ROTAÇÃO DAS PROTOESTRELAS


Os glóbulos têm movimento de rotação e, pela lei da conservação do momento angular, devem girar com maior rapidez à medida que se contraem. Uma partícula que permaneça na superfície de um glóbulo de 1 MS terá sua velocidade angular aumentada de 900 milhões de vezes até que a estrela pare de se contrair. A força centrífuga, nesta situação, é muito maior que a atração gravitacional e essa partícula seria jogada fora da estrela como ocorre com gotas de água na superfície de uma bola posta a girar rapidamente. Isso romperia a proto-estrela se não houvesse algum mecanismo de transferência de momento angular do glóbulo para o meio que o circunda de modo que, a cada instante da contração, a força gravitacional supere a força centrífuga. Nesse ponto os modelos de formação de estrelas têm evoluído muito pouco. Acredita-se que o campo magnético da Galáxia ligue a proto-estrela ao material que a circunda através da viscosidade magnética, transferindo-lhe momento angular.

A força centrífuga é nula nos pólos e cresce à medida que nos deslocamos para o equador, enquanto que a gravidade não varia (se o glóbulo for aproximadamente esférico). Desse modo, a contração se dará mais facilmente nos pólos, sendo formada uma espécie de disco em rotação. Condensações presentes no disco podem gerar planetas (não é por acaso que os planetas do sistema solar orbitam num mesmo plano) ou outras estrelas que carregarão consigo grande parte do momento angular da proto-estrela, permitindo que ela continue se contraindo. Os planetas juntos, tem apenas 0,2% da massa do sistema solar e no entanto, carregam em seu movimento orbital, cerca de 97% do momento angular do sistema.


Fig. 1.2 - Da proto-estrela ao sistema planetário

Acabamos de expor os principais processos físicos envolvidos na formação de uma estrela. A construção de um modelo físico, no entanto, é muito mais complexa do que pode parecer à primeira vista. O cálculo do transporte de energia para a superfície da estrela, envolvendo os estados de excitação de cada átomo e o estado de equilíbrio da massa de gás exige a utilização de computadores de grande porte, que só foram desenvolvidas num passado recente. Desde o século passado, os Astrônomos acreditavam que as temperaturas observadas nas estrelas estivessem de algum modo, associadas a uma seqüência evolutiva. No entanto, os modelos de evolução não foram construídos, historicamente, a partir do início da contração gravitacional, como apresentamos aqui. Eles partiam de uma estrela já estabilizada, "queimando" Hidrogênio no núcleo, como apresentaremos no próximo artigo. Muitos Físicos, desde o século passado, entretanto, já haviam dado contribuições importantes para o entendimento do tipo de fonte de energia e a idade do Sol (e outras estrelas) mesmo sem dispor de meios para construir modelos sofisticados, calculando apenas ordens de grandeza das condições físicas. Vamos retomar alguns lances históricos e refazer alguns desses cálculos:
Julius Mayer, formulou, em 1842, o princípio de conservação de energia. A enormidade de energia luminosa proveniente do Sol despertava a curiosidade e exigia uma explicação de como era produzida e mantida. Mayer sugeriu que a luminosidade do Sol se originaria da transformação da energia cinética em energia térmica na queda de meteoritos sobre ele (o Sol). O aumento da massa do Sol, no entanto, seria de tal ordem que modificaria constantemente o movimento dos planetas e esta hipótese foi logo abandonada.
Em 1853, Helmholtz sugeria que, na contração de uma grande nuvem de gás uma quantidade considerável de energia poderia ser liberada. A quantidade de energia liberada pode ser calculada do modo que se segue:
Considere uma partícula de massa m, girando em órbita circular a uma distância r de um corpo de massa M. Para se manter numa órbita estável, sua aceleração centrípeta deve ser igual à gravitacional:

v²/r = GM/r² (I.2)

Multiplicando ambos os membros por m/2 e lembrando que a energia potencial gravitacional é dada por Ep = -GM m/r e a cinética por Ec = mv²/2 pode-se mostrar que a energia cinética é metade da energia potencial. Se a partícula cair para uma órbita (estável) de menor energia potencial, o ganho em energia cinética será só ½ da energia potencial perdida. Para que seja conservada a energia total (ET = Ep + Ec), a outra metade deve sair do sistema e isto se daria através da emissão de radiação. Assim a energia irradiada por grama de gás (e ) seria:

e = GMS /2RS (I.3)

Este processo poderia alimentar o Sol - à presente luminosidade - por dezenas de milhões de anos.

Lord Kelvin, no século passado, usando o valor do fluxo térmico da Terra, medido no interior de minas e, supondo que a Terra no início estava sob forma de magma, calculou que a crosta teria levado 40 milhões de anos para se solidificar.

Medidas do decaimento radioativo em rochas, efetuadas no início do século levaram a idades de 3,5 bilhões de anos. Medidas mais recentes indicam que há 4,5 bilhões de anos já haviam rochas solidificadas. A continuidade da vida durante 3,5 bilhões de anos, revelada pela presença de fósseis vegetais e animais nas rochas de todas as eras geológicas nos leva a admitir que a luminosidade do Sol deve ter permanecido praticamente constante e a energia gravitacional não seria suficiente para mantê-la durante todo esse tempo.


 

 


Autores
  • Augusto Damineli Neto - IAG/USP
  • Francisco José Jablonski - ON/CNPq


Versão para HTML - Jorge Hönel
CDA - CDCC - USP/SC - 14/01/1999